Semana de Arte Moderna
Um olhar para a modernidade no ano de 1922…
A edição de 31 de janeiro do “Jornal do Comercio” trazia em suas páginas uma pequena curiosidade: comparava o tremor de terra ocorrido na cidade de São Paulo nos primeiros dias do ano de 1922 as crises histéricas de esposas que sofriam dos nervos. Pois bem, mal havia começado o ano de 1922 e a cidade já estava sendo sacudida. Teria sido um presságio? E olha que o ano estava apenas em seus primeiros dias…
Poucos dias depois, ocorre uma fuga de presos da cadeia pública – o que gerou desconforto e pânico entre os habitantes da cidade. Os presos aproveitaram-se do descuido do sentinela e fugiram pelos fundos ao se misturar aos operários que trabalhavam no local.
E no meio de tudo isso, anunciava-se o Festival de Arte Moderna – que pretendia ser um divisor de águas – com a pretenção de fazer história e celebrar um novo momento na arte brasileira que na ocasião não tinha destaque algum no mundo literário.
Para tal, tomou-se o Teatro Municipal e quem adentrava o local na noite de estréia do evento, era tomado por uma fúria incomum: os cavalheiros de fraque e cartola, acompanhados por damas elegantemente vestidas estavam visivelmente estarrecidos.
Esculturas e pinturas pareciam desdenhar de todos os cânones artísticos conhecidos e ensinados nas melhores academias do país e claro, além mar. Difícil saber o que chocou mais naquele Festival: a direita da escadaria interna, um desfigurado homem amarelo que parecia sofrer do fígado – a seguir um Cristo com tranças parecia zombar da fé dos visitantes que benzia-se diante do tal quadro.
Não havia arte naquele Festival, diziam. O público parecia enxergar apenas uma total falta de perspectiva, figuras desmanchadas que nada diziam ou significavam – cores berrantes que pareciam agredir os olhos dos visitantes e paisagens que pareciam destoar das normas básicas da estética convencional.
Os “novos” ou “futuristas”, como foram apelidados articularam um movimento cultural que resultaria em três noitadas de conferências, audições musicais, leitura de poemas e uma exposição de artes aberta de segunda a sexta no saguão do Teatro Municipal – cuja perfeição arquitetônica parecia ser um cenário perfeito para a irreverência dos artistas vanguardistas.
Os artistas pareciam precisar de uma linguagem própria – de um estilo local – de uma não dependência de estilos acadêmicos que chegavam aqui através das muitas idas e vindas ao Velho Continente para onde seguiam todos aqueles que precisavam compreender melhor a arte feita em terras brasileiras.
O fato é que pretendia-se realmente mudar – Mário de Andrade defendia uma linguagem popular, ou seja, compor a partir das expressões comuns que eram ouvidas pelas ruas da cidade. Interpretar o homem urbano daqui e não de lá – ditar a paisagem com cores fortes e intensas como já era comum por aqui. Mostrar o jeito de um povo que se fundia a outros povos e através de um passo lento parecia criar a sua própria identidade.
E a vaia encontrou eco no interior do Teatro Municipal, a voz pouca de Mário de Andrade quase não se faz ouvir. Ninguém parecia capaz de entender a tal modernidade – que aos olhos estarrecidos do público era na verdade uma grande mostra de mau gosto…
O ano era 1922 e Mário bradou aos amigos “é preciso tempo, mudanças geram surpresas, desconfortos vários – mas depois vem a satisfação”. O fato era que nem mesmo estando em uma cidade cuja mudanças ocorriam do dia para a noite, o tal modernismo foi bem aceito…
Eu insulto o burguês!
o burguês-burguês!
A digestão bem feita de São Paulo!
O homem-curva! O homem nádegas!
O homem que sendo francês, brasileiro, italiano,
é sempre cauteloso pouco-a-pouco!
Mário de Andrade
Trecho de “Ode ao burguês”
texto: Lunna
Fonte:http://acqua.wordpress.com/2008/03/13/modernismo/